sábado, 4 de dezembro de 2010

O Sol que nunca se põe por Raquel Ramos

Senhoras e senhores, bem vindos ao século XXI! A geração fake. Onde melhor que ser/ter é parecer ser/ter.

Para quem preserva as aparências e abre mão da essência, essa é a época certa de sua vivência.

O consumo exacerbado e o anseio pelos 15 minutos de fama, confirmam o que Debord chamava de: Sociedade Espetáculo!

Debord era um francês, cineasta, militante político e também artista. Ele escreveu que a sociedade espetáculo era modo de
vida estabelecido a partir da segunda metade do século XX. E por ter acompanhado esse processo de espetacularização, foi
considerado um visionário.

O orkut, famoso site de relacionamento, com suas simples modificações quase que cotidianas nos ajuda a acompanhar como o "famoso" deixou de ser adjetivo e passou a ser substantivo. Assim que surgiu, a moda era ter muitos amigos, muitas comunidades, no máximo 12 fotos.

Depois de um tempo, 24 fotos era o limite e perdia-se horas escolhendo qual deveria ser postada, afinal de contas em algum lugar deve se transparecer perfeição.
Como já era de se esperar, o espaço reservado para fotos aumentou e dessa vez exageradamente!

Confesso nem saber se existe um limite. De fato, com tanta informação disponibilizada, muitos passaram a colocar frases de grandes filósofos, poetas, estudiosos nos respectivos "quem sou eu". Mas será que possuem
tanta cultura assim? Tudo agora é [i]fake[/i]! Você pode ser quem quiser se clicar em 'editar perfil' e quem o lê acredita.. Ou finge! Entretanto, isso não é problema, tudo fingimento é.

Por que o espaço para fotografias é ilimitado? Será por mera coincidência? Em sua 12ª tese do livro A sociedade do Espetáculo, Debord explica.
"O espetáculo se apresenta como uma enorme positividade, indiscutível e inacessível. Não diz nada além de "o que aparece é bom, o que é bom aparece."
O que adianta dizer que é, se não aparece? Se você é, então se mostre! O que Debord escreveu em sua teoria está na prática em nosso cotidiano
mas já se fundiu de tal maneira ao nosso dia-a-dia que nem nos tocamos mais. Não conseguimos distinguir o real da fantasia.

Abaixo segue um diálogo, escrito por mim, onde, de maneira simples, tento mostrar a nossa função e os nossos papéis sociais no cotidiano.

A audição

- De onde vem essa sua vontade de atuar? - Questionou-me o rapaz responsável pelo teste
- Antes de responder a sua pergunta, você saberia me dizer quem é você? - Perguntei sentando à beira do tablado.
- Como assim? Que pergunta é essa? - Seu tom era áspero
- Você não entendeu a pergunta ou não sabe a resposta?
- Quem sou eu? Eu sou um estudante de mídia de 20 anos. Faço uns bicos, ajudo em casa.. Mas por que você quer saber disso? Isso é relevante?
- Então pra você o ser é secundário? - Encolhi as pernas e as abracei
- Não sei, nunca pensei nisso. E você? Quem é?
- Vou te dizer quem sou. Eu sou os pedaços de tudo. Faço-me e refaço-me a cada segundo. Posso ser uma em sua frente mas acredite que sou mais de um milhão.
Quando você me perguntou de onde vem a minha vontade de atuar, cheguei a conclusão de que atuo o tempo todo. - Sorri abaixando a cabeça. - Não sou essa que está
aqui mas também não sei se sou a que está lá fora. Nesse momento sou uma entrevistada e quando chegar em casa serei a filha, a irmã, a namorada, a amiga.
Não existe um eixo central pra isso. O ser me absorveu. Estou perdida em suas inúmeras facetas e ciladas. Isso não é mais uma questão de vontade. É mais que
necessidade. Isso sou eu.
- Essa é a sua resposta?
- Não. - Levantei enquanto pegava minhas coisas - Essa sou eu.
- Como posso confiar nessa resposta depois de tudo o que me disse? Ele segurou meu braço
- Se não entrar no meu roteiro, você não pode. - Bati a porta e segui.

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