quarta-feira, 14 de maio de 2008

Ronaldo, Travestis e Cultura da Celebridade


Por Priscila Sequeira

O escândalo protagonizado pelo jogador Ronaldo Fenômeno foi o assunto principal da grande mídia durante toda a semana passada, sendo manchete não só no Brasil, mas em diversos outros países. O jogador, que possui um contrato vitalício com a Nike e cujo contrato com o time de futebol italiano Milan se encerra em junho deste ano, denunciou, por tentativa de extorsão, três travestis com quem passara algumas horas num motel da Barra da Tijuca, na madrugada do dia 28 de abril. Na versão do Fenômeno, Andréia Albertini (ou André Luis Albertino) teria pedido R$ 50 mil para não revelar à imprensa o ocorrido e não teria tido relação sexual com os travestis, que pensara, inicialmente, serem mulheres. Já segundo Andréia, o jogador teria lhe dado o dinheiro para que ela fosse buscar cocaína na Cidade de Deus, favela da Zona Oeste do Rio, e teria se relacionado com suas duas colegas que ficaram no motel.

O caso tomou enorme proporção e Ronaldo tornou-se alvo de chacotas em relação à sua orientação sexual. Se os três indivíduos que estavam com Ronaldo não fossem travestis, mas sim garotas de programa, haveria essa mobilização internacional em torno do episódio?

De acordo com Miriam Goldenberg, antropóloga e professora do Departamento de Antropologia Cultural (IFCS-UFRJ), dois motivos parecem ter chamado a atenção do público para o ocorrido. Em primeiro lugar, o fato de existir uma cultura extremamente machista, moralista e conservadora a respeito da sexualidade masculina; e, em segundo, haver uma cultura em que o homem tem que provar permanentemente que é "homem de verdade". Nessa cultura, qualquer suspeita de preferências sexuais desviantes do padrão acaba levantando suspeita sobre a sua masculinidade.

É, justamente, em função dessa notoriedade, do poder, do prestígio e da riqueza que, para o professor João Ferreira, do Instituto de Psiquiatria (IPUB/ UFRJ), o encontro de Ronaldo com os travestis obteve tanta repercussão. Em sua opinião, qualquer ocorrência com ele chamaria atenção e o mesmo teria ocorrido com outros jogadores, como Romário, Ronaldinho Gaúcho e Kaká. De acordo com o professor, no entanto, o aspecto mais importante do caso foi o menos focado pela mídia:

― O único fato público da situação do Ronaldo foi a tentativa de extorsão. Isso é o que menos chamou atenção e foi o único fato ilícito. O resto faz parte da vida privada, não deveria ser motivo de notícia para ninguém, a não ser para o jogador e para quem viveu isso. Ser homossexual não é crime, vender seus serviços, desde que você seja maior de idade e saiba se auto-determinar, não é crime, portanto, ser prostituto homossexual não é crime nenhum. Assim como o Ronaldo comprar esses serviços também não é crime. A única coisa ilícita é a tentativa de extorsão e foi dada pouca atenção para isso, e sim para o fato de que o Ronaldo estaria com travestis, num motel, e teria, possivelmente, usado drogas, o que não ficou provado.

Segundo Miriam Goldenberg, o alarde nos meios de comunicação se deve à cultura das celebridades, que se alimenta de casos "exóticos" para vender jornais, revistas e elevar a audiência dos programas de TV.

― Há quase um prazer sádico em ver pessoas famosas, ricas e poderosas passarem por situações humilhantes ou degradantes. Esse caso denuncia o sadismo embutido nessa cultura da celebridade que se alimenta de fatos como este para denegrir imagens e reputações duramente conquistadas com talento, esforço e até sacrifício. –esclarece a antropóloga.

Leia a reportagem completa de Priscila Sequeira em:

http://www.olharvirtual.ufrj.br:80/2006/index.php?id_edicao=203&codigo=2