segunda-feira, 5 de julho de 2010

Kickass e o Filme da Vida por André Boechat Alves Luz

- Como é que ninguém nunca tentou ser um superherói?


Na cena, Dave, futuro Kick-Ass, faz a pergunta central para seus amigos, que o respondem “Porque é impossível”.

Este é o questionamento que o personagem Dave do filme “Kickass – Quebrando Tudo” faz aos seus amigos enquanto lêem uma revista em quadrinhos. Dave durante o filme mostra que fora influenciado exaustivamente pelas mídias que o cercam; principalmente quanto aos eventos que ocorrem geralmente em ‘hqs’. Dave, inspirado por seus heróis como Homem-Aranha e Batman acaba por adotar em parte suas construções morais, como o senso de justiça próprio de vigilantes mascarados, tal como Neal Gabler constata em seu texto com a influência do cinema naquilo que chama de “Lifies Pessoais” (Sendo Lifies uma junção de Life e Movies).

Dave durante o filme confessa que, perante seus amigos e colegas de escola, ele “apenas existia”; que não se destacava em nada, não era engraçado, querido ou odiado, e vê essa situação mudar a partir do momento em que toma para si o manto do super herói verde-amarelo que nomeia mais tarde como Kickass. Nessa nova identidade, Dave passa a representar outro papel. Usando frases de efeito tal como as que os atores em filmes de super-heróis utilizam, o adolescente passa a fazer do seu mundo um palco próprio e posteriormente o expande, quando outros se inspiram nele, seja para praticarem atos de vigilantes e protetores ou apenas para posar para fotos como super-heróis. A própria questão do manto de superherói se mostra como um aspecto do texto de Gabler, quando ele relaciona o consumo com o entretenimento; Dave não precisava necessariamente vestir uma roupa de mergulho verde para se sentir um super-herói, tão pouco mascarar-se, mas, ao fazê-lo, ele pensa incorporar aspectos de seus ídolos midiáticos tal como uma pessoa faz ao consumir um produto anunciado por uma celebridade.

O personagem central ainda se questiona porque tantas pessoas não querem ser um Peter Parker (Identidade Nem Tão Secreta do famoso Homem-Aranha) mas almejam se tornarem Paris Hilton (A patricinha cuja fama baseia-se quase unicamente em eventos escandalosos como vazamento de uma fita pornô intitulada de “One Night in Paris” e prisões por diversos delitos, sendo o mais recente fumar maconha durante um jogo da Copa do Mundo); podendo assim fazer menção ao valor da aparência que os filmes refletem, fazendo Dave ser considerado como puritano por valorizar mais um “caráter” talvez (fibra moral das pessoas, por assim dizer) do que a cultura do consumismo que idolatra pessoas como Paris Hilton, cuja vida é amplamente divulgada e que valoriza mais a “personalidade” (ou aquilo que se projeta para os outros). Mas abre-se um questionamento, ao assumir um caráter puritano, não estaria ele ao mesmo tempo assumindo tal caráter para diferenciar-se da modelo/patricinha e, assim, se projetando para os outros com uma “personalidade” de alguém que nega esses valores consumistas?

Outros exemplos de personagens que baseiam suas vidas em cenas e personagens de filmes são Big Daddy (Paizão) e Hit Girl; respectivamente pai e filha, que tem a vida destruída por um gangster que resolve incriminar o personagem do Pai. Para melhor explicar como o texto “Vida, O Filme” se aplica à esses personagens, fugirei da obra cinemática de Kickass e usarei os mesmos personagens listados, só que nas suas “encarnações” originais: A dos quadrinhos. Lá, Big Daddy e Hit Girl são como o personagem de Dave; pessoas normais que resolvem vestir um manto só porque foram inspiradas por uma ideologia, por uma encenação. O pai, resolve mudar sua vida chata de assalariado e colecionador de quadrinhos e leva a filha pré-adolescente embora de sua mãe, almejando passar a ela os valores que formaram heróis das histórias que coleciona. Hit Girl cresce odiando “caras maus”, aprende a atirar, aprende a se defender e principalmente a matar. O grande objetivo de Big Daddy era fazer com que ela fosse uma pessoa diferente, especial; meio que tomando o mesmo pensamento que Dave teria anos depois, ao recusar que a filha fosse apenas mais uma na multidão que gostasse de brincar de Barbie ou usasse roupinhas da Hello Kitty enquanto gastava todo o dinheiro dos pais em um shopping lotado com sapatos que não precisava. E por isso, tirou ela da vida confortável que teria com sua mãe para uma vida na qual os dois vestiriam os mantos de super-heróis e acabariam com bandidos.


Na cena, Mindy (Hit Girl) é treinada por seu Pai (interpretado por Nicolas Cage) a aprender a agüentar um tiro à queima roupa usando um colete.”Vai ser como se levasse um soco”, diz a carinhos figura paterna”


Na cena, Mindy pede de aniversário um ‘cachorrinho’ para o pai, decepcionando-o momentaneamente, só para depois falar que “estava só zoando” e pede uma faca de combate especial, ao qual o pai responde aliviado “Você quase me pegou nessa!”.

Ainda sobre a questão do manto e sua importância na construção dos personagens, podemos fugir um pouco dos heróis do filme e suas máscaras para analisarmos que, não somente eles usam trajes para representar o que são ou o que querem passar para aqueles que os vêem, mas também os antagonistas do filme, que na verdade correspondem à dois estereótipos que classificarei como “bandido de subúrbio” e “gangster galante”. Inicialmente, Dave, já incorporado em sua alcunha de Kickass se depara apenas com os bandidos de subúrbio, que são identificados também pela roupa que usam; calças baggies, camisetas exibindo músculos e tatuagem, piercings e tocas que os definem perante o público como “classe média/classe baixa” e “bandidos/vilões”. Claro que, o impacto de uma pessoa vestida de vendedor de sorvetes correndo atrás de um transeunte não é o mesmo que uma pessoa com a vestimenta que descrevi, podendo assim fazer uma constatação de que eles também vestem uniformes para se reconhecer e fazerem ser reconhecidos, como atores. O segundo grupo é ainda mais caricato; a presença dos “gangsters galantes” por si só já é um grande estereotipo que começou –ou pelo menos tomou maiores proporções- após o sucesso do filme e livro “Poderoso Chefão” dirigido por Francis Ford Coppola, retratando os ítalo-americanos e sua cadeia de negócios ilegais. A influência de Coppola nesse filme pode ser dita ao mostrar os antagonistas não somente com suas vestimentas chiques e impecáveis; os ternos pretos, gravata, sapato, verdadeiros executivos; mas também como a linguagem corporal gesticulativa breve, as poucas palavras, a firmidez com a qual expõem suas opiniões e principalmente ao contraste que é mostrado quando ocorre cenas de muita violência, onde o vilão permanece intocável psicologicamente. “São apenas negócios”, como diria um dos personagens do Filme de Coppola.


“Na cena, pai e filho conversam tranquilamente sobre uma ida ao cinema enquanto ao fundo é possível ouvir os gritos de dor de um dos seus comparsas que está a ser torturado; mostrando assim a influência de outras obras midiáticas sobre o próprio filme e sobre os personagens dentro do mesmo.”

Kickass termina por mostrar então que, ele não é tão diferente assim dos fãs e copiadores de Paris Hilton; ambos espelharam-se em personalidades; pessoas; PERSONAGENS de um mundo midiático para construir suas próprias identidades. A única diferença foi que Dave escolheu Peter Parker, personagem de Stan Lee, para se inspirar, enquanto as pessoas que ele cita escolheram Paris Hilton, personagem de Paris Hilton, ou ainda, ‘persona’ criada pela própria mídia.


Na cena, um outro garoto aparece vestido de herói, dizendo ter se inspirado em Kick-ass. Enquanto seus amigos discutem sobre agora quem é “mais legal”, mostrando que agora Kick-ass deixou de ser um “Lifies” particular para se tornar público.

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