segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

“Na Natureza Selvagem” e a tentativa de rompimento com a sociedade de controle. - Por Diogo Cruz



Ao assistir o filme “Na Natureza Selvagem” é impossível não fazer uma associação com as teorias de Deleuze.
O filme – baseado num livro homônimo – conta a história de Chris McCandles que em pleno início da década de 90 do século XX, decide por motivos pessoais e insatisfação com o mundo, viver uma vida sem regras e sem controle, distante de famílias e amigos.
Neste caso a associação se dá justamente porque Chris, um individuo contemporâneo parece perceber que embora não vivamos mais no auge da sociedade disciplinar, mas sim num momento em que as instituições estão em crise e o controle não é mais normativo e confinador, ainda assim não deixamos de estar presos num controle, que embora menos severo e ardiloso, nos monitora e nos dá essa falsa sensação de liberdade quando na verdade estamos presos numa moratória ilimitada.
Ir contra esta moratória ilimitada que é baseada numa sociedade corrompida pelo dinheiro e fundamentada nos modos de produção capitalista é um dos objetivos de Chris. Ele se desfaz de luxos, regalias que sua família pode proporcionar e todo o dinheiro que tem e parte para a fuga de uma sociedade que, assim como afirma Deleuze, quer formar corpos consumidores.
Indo em direção oposta ao que afirma Deleuze que acredita não haver escapatória para este controle Chris se distância de todo e qualquer objeto que o posso torná-lo localizável, abandona seu carro, queima seu dinheiro, quebra seus cartões de créditos e documentos e altera até mesmo seu próprio nome – estabelecendo assim uma falsa cifra - para tornar essa sua fuga social a mais bem sucedida possível. É a tentativa de se afastar de qualquer dispositivo de controle que se ocupa de informações resultantes das várias ações individuais.
Durante quatro anos McCandlles consegue cumprir seu objetivo, se mantendo o mais distante possível da sociedade. Seu objetivo é apenas o contato com a natureza e as únicas pessoas com que ele mantém contato são aquelas com quem ele esbarra no decorrer de suas andanças.
Porém se Chris conseguiu escapar do controle da sua família durante quatro anos, não deixando nenhum vestígio por onde andava, isso foi alterado quando seu corpo é encontrado no Alaska e a notícia de sua morte sai no jornal. Chris de fato não deixou nenhum registro tecnológico mas deixou história pelo caminho, e bastou a noticia de sua morte sair em um meio de comunicação para que ele, que queria fugir sem deixar rastros, fosse lembrado pro todos aqueles que cruzaram seu caminho. Daí para sua família chegar a seu paradeiro foi rápido. Porém foi preciso que sua morte fosse noticia para que essa localização se desse.
Se nas sociedades disciplinares, como mostrava Foucault, a maneira de se estabelecer uma normalização social era ser confinado em escolas e para aqueles que se recusam ser corpos dóceis, normais e produtivos a solução era a prisão, na sociedade de controle a vigilância se faz de dentro para fora, não é mais o medo que normaliza mas sim a moral. É o próprio dominado que pratica a sua auto-dominação. Porém Chris durante sua utopia das as costas a este controle. Ele não permitiu que esse controle moral ocorresse, nem de fora pra dentro e nem de dentro para fora.
Por fim o que podemos tirar da história de Chris é que no seu final mais uma vez o capitalismo acabou por incorporar as armas que foram utilizadas contra ela mesma. Se Chris queria fugir dessa sociedade enquanto vivo após sua morte sua história acabou sendo apropriada e tonando-se filme e livro.
E aquele que queria apenas ignorar a sociedade capitalista de controle acabou tornando-se produto dela e toda a sua fuga acabou tornando-se um espetáculo.

2 comentários:

Dani Mazur disse...

Uau, que bom, um dos meus filmes favoritos por aqui! :D Quando eu o assisti pela primeira vez, fiquei totalmente chocada com as atitudes do Chris. Ficava me perguntando "Como ele pôde deixar os pais sem nenhuma notícia?", "Como ele pôde deixar todo o seu conforto para viver uma vida sem rumo? e "Uau, por que ele tá queimando dinheiro?". Mas após assistir o filme mais algumas vezes, eu percebi que eu estava tão encravada no meu mundo capitalista, que eu não conseguia me deixar relacionar com a visão dele. A fuga dele é quase plausível. Ele cansou. Cansou de ter que depender de coisas, que para ele, eram descartáveis. Porém, por mais que ele seja um homem forte e de grande inteligência, ele se demonstra inocente. Num mundo materialista, não há muito para onde se fugir quando se quer fugir do materialismo e suas vertentes. E o que ele menos queria, que era ser encontrado e ser reagregado ao mundo capitalista, volta para ele, mesmo após a sua morte.
Um ótimo filme, com boas lições e ótima fotografia. Vale a pena ver e rever.

Diogo disse...

Legal entrar aqui quase uma no depois e ver esse comentário da Dani. De fato o filme é isso tudo. Ótimas lições podem ser tiradas dele, além de ser uma ótima produção cinematográfica.