quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Proposta Temática - Viviane Roux

Santa Marta: Duas semanas no morro

A favela em primeiro plano pelas lentes de Eduardo Coutinho

O trabalho destina-se a analisar a obra cinematográfica Santa Marta: Duas semanas no morro, de 1987. O filme, em formato documentário, apesar de ter sido realizado há mais de duas décadas, já coloca a favela como protagonista, lugar sempre escondido pelos cartões postais, mas cada vez mais evidenciado pelas mídias. Por que virar as câmeras pras favelas? Porque essas são tão atraentes ao olhar público? Tentaremos compreender o fenômeno de espetacularização das comunidades carentes do Rio de Janeiro, traçando um paralelo com o filme de Coutinho que usa de artifícios inovadores para a época para retratar o real, e dá voz aos personagens da favela.
A favela Santa Marta se localiza no morro Dona Marta no bairro de Botafogo no Rio de Janeiro. Zona Sul do Rio, lugar de contrastes, temos duas sociedades que dividem o mesmo espaço físico, a cidade, mas são explicitamente divididas em dois lugares: o asfalto e a favela. A favela, foi escolhida mais tarde, para ser palco de um dos clipes de Michael Jackson, justamente por mostrar vistas privilegiadas da cidade e sintetizar nela, o problema de desigualdade social. Santa Marta.
No filme de Eduardo Coutinho, os personagens do morro ganham voz, falam de absolutamente tudo que rodeia o mundo deles. Tráfico, violência e falta de oportunidades são assuntos em pauta, as entrevistas são permeadas por cenas do cotidiano da favela, sempre com o fundo musical de pagode ou samba, valorizando a cultura popular.
É importante notar no filme, uma nova maneira de lidar com as câmeras. Elas não são mais escondidas, pelo contrário, são expostas ao olhar do espectador. Mostrar ‘como se faz’ é recurso para aproximar quem vê, se até os aparatos técnicos estão sendo mostrados, nada mais separa o espectador dos personagens. Temos os recursos do close, som e silêncio, planos abertos que vão se fechando, sempre para garantir a quem assiste, a sensação de realidade. É mostrado de forma clara ao espectador desde a primeira cena, como o filme foi produzido, quando ouvimos a voz de Coutinho explicando que foi fixado na favela, antes das filmagens, um cartaz convocando os moradores a prestarem seus depoimentos. É interessante notar que com esse recurso, Coutinho se aproxima do espectador, contando os bastidores do filme, e assim, lhe conferindo mais ares de real.
Com o documentário Santa Marta, vira-se um refletor de luz para a favela. Não podemos definir com clareza se foi o primeiro documentário a abordar o tema, mas sem dúvida temos uma das primeiras obras que retratam o cotidiano do morro para o grande público em linguagem documentário, que se destina a mostrar o real.

Bibliografia:

-JAGUARIBE, Beatriz – O choque do Real: Estética, Mídia e Cultura. 2007.
-LINS, Consuelo – O documentário de Eduardo Coutinho: televisão, cinema, vídeo. 2004
-LINS, Consuelo – Filmar o Real – Sobre o documentário brasileiro contemporâneo. 2008

Um comentário:

sibilia disse...

O objeto escolhido é interessante, especialmente por ter sido realizado há vinte anos, como você bem destaca. Talvez seria produtivo tentar alguma comparação do filme de Coutinho com o clipe de Michael Jackson que você menciona (levando em conta fatores como o mesmo espaço, as datas, a importância da música, os elementos estéticos e as implicações políticas). Isso, além de tecer pontes com os produtos mais atuais que colocam em cena o “choque do real” ao retratar a favela; ou seja, aqueles analisado por Beatriz Jaguaribe quando ela se refere ao “realismo sujo” como uma estética hoje em auge. Considere que o documentário “Noticias de uma guerra...”, considerado um marco desse tipo de filmes, também teve como cenário privilegiado esse local.
O livro de Consuelo Lins que enfoca especificamente a obra de Eduardo Coutinho pode te ajudar, pois a autora destaca justamente essa estética peculiar desse cineasta, inclusive a maneira de mostrar as estratégias de produção dos documentários, que é precisamente o assunto por você focalizado como uma forma de acentuar o “realismo” na captação audiovisual do objeto.