O cinema é representativo para a compreensão das transformações ocorridas nas maneiras de sentir, pensar e agir dos sujeitos com a consolidação das percepções modernas. E contemporaneamente, quando se discute a crise da modernidade e o advento de uma suposta pós-modernidade, o cinema ainda pode ser referência para reflexões acerca desta configuração de subjetividades e das atitudes em face deste novo contexto, considerando-se dois aspectos: a busca por um passado e o resgate da memória e o seu viés diametralmente oposto, a constante renovação do presente, num sentido de ruptura, excluindo assim todo um sentido histórico.
Um exemplo cinematográfico pode ilustrar este panorama: o filme Maria Antonieta (2006), de Sofia Coppola, é um exemplo da curiosa constatação de que em tempos de constante atualização do presente seja tão corrente as produções midiáticas que remetem a personagens ou fatos históricos, numa espécie de avalanche de memória. No entanto, não se trata apenas de um resgate de figuras importantes mas de novas formas de representá-las. Afinal, a nobre decaptada é humanizada e vitimizada pelas circunstâncias e não mais uma mera rainha fútil devoradora de brioches.
Nessa tentativa de aproximá-la do espectador vale desde uma trilha sonora jovial, ideal para uma personagem teenager até a fotografia que privilegia uma atmosfera colorida como balas, embora o filme tenha sido rodado na suntuosa e sisuda Versailles.
Afinal, qual o impacto dessa representação e a razão pela qual se faz necessária essa aproximação com o espectador, de forma a acreditarmos que ela seria como qualquer jovem contemporânea?
Um comentário:
A pergunta final do seu resumo é bastante pertinente, e o filme escolhido para analisar esses processos é muito adequado, justamente porque nele é dinamitada a “fidelidade aos fatos” que requer toda reconstrução realista de um fato histórico. Ao contrário disso, o filme explora explicitamente os anacronismos, e anula todo o peso político dessa personagem histórica ao edulcorá-lo como uma simpática adolescente incompreendida, em cuja definição pululam vários ingredientes de uma subjetividade contemporânea e globalizada (bem longe da corte francesa do século XVIII). Sobre a relação com o passado e a memória que revelam estes fenômenos, a partir da perspectiva por você focalizada, sugiro a leitura do Cap. 5 do meu livro “O show do eu”, intitulado “Eu atual e a subjetividade instantânea”.
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