A Espetacularização da Morte
Interpretando o conceito de espetáculo em Guy Debord, o jornalista ARBEX JR. (2001) diz que o que é espetacular é a própria sociedade, e o espetáculo “não consiste apenas na multiplicação de ícones e imagens, principalmente através dos meios de comunicação de massa, mas também dos rituais políticos, religiosos e hábitos de consumo, de tudo aquilo que falta à vida real do homem comum: celebridades, atores, políticos, personalidades, gurus, mensagens publicitárias – tudo transmite uma sensação de permanente aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia. O espetáculo é a aparência que confere integridade e sentido a uma sociedade esfacelada e dividida”. (ARBEX JR., J. “Showrnalismo – a notícia como espetáculo”. São Paulo: Casa Amarela, 2001).
O espetáculo é contemplação, um mundo onde a vida real – pobre e fragmentária – faz com que cada cidadão comum abdique do seu papel de protagonista para tornar-se espectador. Obrigado a contemplar o outro e a consumir passivamente as imagens de tudo o que lhes falta em sua existência real, eles passam a olhar um outro idealizado (atletas, artistas, cantores de rock, prostitutas grã-finas, políticos, celebridades instantâneas e desnecessárias etc.). Um outro radicalmente diferente e inalcançável, cuja fama é ou deveria ser a expressão de uma realização extraordinária. No espetáculo, o contemplador aceita viver por procuração. Delega aos “superiores” a vivência de emoções e de sentimentos que se julga incapaz de atingir.
A era do espetáculo é também a era das celebridades. Elas são os ícones da cultura da mídia, os deuses e deusas da vida cotidiana, simulando uma superioridade fictícia. São adorados pelos fãs, que se identificam a tal ponto que cada um se imagina no lugar de seu ídolo ou do ‘objeto’ da sua admiração, aspirando à condição de famoso. O outro sou “eu” que deu certo graças às circunstâncias.
Para alguém se tornar uma celebridade é preciso ser reconhecido como uma estrela no campo do espetáculo, seja no esporte, no entretenimento ou na política. Exatamente como as marcas das empresas, as celebridades se tornam marcas para vender seus produtos como Madonna, Michael Jackson, Tom Cruise ou Jennifer Lopez. Na era do espetáculo, entretanto, as celebridades estão sempre sujeitas a escândalos e, é claro que, dentro dos limites, aquilo que é “ruim” e as transgressões também podem vender, de forma que o espetáculo sempre contém os dramas de celebridades que atraem a atenção do público.
Então, esses consumidores, ou melhor, voyeurs que se deliciam com as intimidades alheias, iludidos pela sensação de que as grandes estrelas do cinema são eternamente felizes; reis e rainhas jamais cometem um pecado venial; homens de negócios bem sucedidos nunca sofrem. O espetáculo é a afirmação da aparência. No entanto, quando descobrem que Papai Noel não existe ou que Chapeuzinho Vermelho tinha um caso com o Lobo Mau, passam a ter um mórbido prazer em testemunhar a desgraça alheia.
Na era do espetáculo, cuidadosamente medida pelas oscilações do ibope, tem-se nas tragédias humanas um dos principais carros-chefe, e a espetacularização ao entorno da morte de celebridades é uma delas. A repetição exaustiva de cenas da morte de determinada celebridade garante, certamente, uma bela audiência, foi assim com o Mamonas Assassinas, Princesa Diana, Ayrton Senna, John Lennon, Michael Jackson, e tantos outros. No mercado das emoções promovido pela força do negócio do entretenimento, tudo passa a se banalizar e transforma-se em show, onde há prateleiras para todos os gostos.
O espetáculo é uma mercadoria, de todos os gostos e sabores. No seu bojo, é um fetiche, de forma elaborada e massiva, oferecida de maneira aparentemente gratuita, num contexto social de busca pelo bem estar instantâneo. O interesse pelo trágico, pelo esdrúxulo e pelo escabroso, reflete a ausência de instâncias vivenciais complementares da alma humana. Tudo se confunde nessa sociedade.
O artista plástico Andy Warhol, na década de 1960 foi profético sobre esta nova era. Com a frase: "um dia, todos terão direito a 15 minutos de fama", ao comentar obras próprias baseadas em acidentes automobilísticos; levantou questões importantes sobre a banalização da dor, da tragédia. Na obra “Sixteen Jackies” (imagem 1), as imagens da dor pela perda de um ente querido, estampada e banalizada por todos os tablóides mundo afora, não era a de uma cidadã comum, era a imagem de Jacqueline Kennedy. Warhol multiplica a imagem dezesseis vezes numa crítica à espetacularização da dor.
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