Por Regiane Santos em 23/6/2009
Gladiatura psicológica mesclada ao exibicionismo e voyeurismo de potenciais candidatos à fama ou pseudo-famosos integram os principais ingredientes da bem-sucedida fórmula que garante altos índices de audiência aos reality shows produzidos no Brasil.
Formato explorado à exaustão pelas emissoras de televisão comerciais, visto o considerável número de edições, os shows de realidade expõem a intimidade de seus participantes, rendendo, assim, a todas as partes envolvidas, elevadas cifras que engordam suas contas bancárias.
Embora tenham surgido programas no formato de reality shows ainda na década de 1940, os espetáculos da pós-modernidade emergem ao grande público somente no final dos anos 90 com a criação do Big Brother por John de Mol, proprietário e executivo da emissora de televisão holandesa Endemol.
"Competitividade semeia discórdias"
Inspirado no livro 1984, de George Orwell, no qual um governante déspota manipula seu reino através de câmeras de vídeo, o Big Brother, assim como o político na obra de ficção, vigia seus discípulos por intermédio da tecnologia.
Diante dos atentos olhos eletrônicos espalhados por uma confortável e bem decorada casa, nada passaria despercebido. Baseado nesta premissa, George Orwell apimenta ainda mais sua idéia ao conceber um novo produto midiático que pretende reunir pessoas que, anteriormente, nunca haviam compartilhado sua rotina em um mesmo ambiente.
Mesmo sem gostos e hábitos semelhantes, os participantes dos reality shows iniciam sua estada nas mansões de luxo projetadas para o game contagiados pela disposição de estabelecer elos de cumplicidade com seus companheiros de confinamento.
Mas bastam alguns dias para que a crua realidade bata à porta destes shows, adentrando, avassaladoramente, naquele recinto, transmutando o "mar de rosas" ali existente em um oceano de ressentimento, mágoa e raiva, sentimentos que, combinados, culminam em ferrenhas brigas que beiram a agressão física.
"Em um primeiro momento, tudo era um todo perfeito. Os sonhos pareciam ter teto, assoalho e paredes de real. Os sujeitos foram convidados – compunham um seleto grupo de privilegiados, vocacionados a vencer.
A Casa, em sua fisionomia de concreto, era olhada com encômios. Era bela. Tudo parecia estimular o otimismo, que, por sua vez, tinha pose do pretenso êxtase. O paraíso existia, através da ribalta televisiva, embalado pelas cantigas do pensamento mágico.
Os sujeitos se encontravam envoltos no halo da solidariedade. Uns amavam os outros desde a primeira infância. Todos tinham poder-libido dominante. Aos poucos, algumas cáries emocionais começam a vir à tona. O desejo de ficar na Casa, convivendo com a possibilidade de ser eliminado. Foi a antítese da votação, que começa a roubar a cena com conseqüências específicas. A competitividade faz a semeadura das discórdias" (RAMOS, Roberto).
Lucros exorbitantes
As emissoras transmitem aos telespectadores um "belo" espetáculo de gladiatura psicológica inspirado no massacre que integrava o entretenimento na antiga Roma, capital da Itália.
Ao invés de assistir a brutais agressões regadas à sangue, fruto de lutas em arenas entre gladiadores, o público acompanha, confortavelmente, através de seus aparelhos de TV, participantes que criam intrigas, vomitam palavrões durante agressivas discussões e formam complôs.
"Aparentemente, estão apenas conversando, namorando, fazendo ginástica, indo a festas. Mas nós (e eles) sabemos que estão se digladiando para eliminar os outros e vencer" (MINERBO, Marion).
Escolhidos pela produção destes reality shows, os gladiadores, ou melhor, os participantes, devem, além de se enquadrarem aos estereótipos apreciados pelo público, ser polêmicos, para render, através de suas personalidades dicotômicas e explosivas, ferozes confrontos que irão garantir audiência aos canais de televisão e, conseqüentemente, exorbitantes lucros, uma vez que haverá um considerável demanda por merchandising motivada pelo grande número de pessoas que permanecem, naquele horário, grudadas em frente à tela da TV.
"Como os participantes do BBB, os gladiadores também lutavam entre si até o fim. A luta entre gladiadores era totalmente realista e isso empolgava as platéias de Roma" (MINERBO, Marion).
Espetáculos da pós-modernidade
Além da gladiatura psicológica que eleva os índices de audiência das emissoras de televisão brasileiras, e, conseqüentemente, proporciona altas cifras à suas contas bancárias, os corpos dos participantes são expostos à exaustão para desencadear, também objetivando elevar as receitas dos canais de tevê, o voyeurismo entre os telespectadores que observam, obsessivamente, o físico daquelas cobaias aprisionadas em um zoológico humano como fonte de prazer.
"Os homens bonitos e com corpos atléticos, as mulheres histéricas e siliconadas: tudo isso cria um viveiro sintético que, exerce certo fascínio sobre o público.
A natureza perversa dessa espécie de espetáculo reside precisamente nisso: os sujeitos tendem a se reduzir a corpos mais ou menos erógenos, objetos de prazer (até onde é possível para o público)" (RÜDIGER, Francisco).
Mas se tal exibicionismo não agradou ao público que ceifou o participante da corrida pelo tão almejado prêmio em dinheiro prometido ao vencedor do game, a maioria, especialmente o sexo feminino, perpetua a exploração do voyeurismo na tentativa de compensar a perda financeira provocada pela eliminação do reality show.
"Big Brother e Casa dos Artistas são uma mistura de participação dirigida, encenação realista e promoção mercadológica, representado por elencos cuja formação é feita sobretudo por artistas fracassados, cantores obscuros, atores marginais, promotores de eventos, modelos estereotipados etc. As pessoas foram recrutadas por critérios de representação mercadológica, em vez de sociológica.
Conseguir contratos para fazer publicidade, participar de convenções empresariais, animar grupos de auto-ajuda e posar sem roupas, de pernas abertas, em revistas eróticas, são alguns dos benefícios proporcionados pela meteórica aparição nestes espetáculos da pós-modernidade" (RÜDIGER, Francisco).
Proliferação vertiginosa
Em constante decadência desde a popularização da internet no país, as emissoras de televisão procuram, desesperadamente, alternativas para alavancar suas receitas.
Os reality shows geram consideráveis lucros aos conglomerados de comunicação. "As empresas não escondem que os programas são vistos como um negócio: é sobretudo nessa linha que ‘todos’ os tipos de exibicionismo são muito bem explorados" (RÜDIGER, Francisco). De acordo com notícias divulgadas pela mídia nacional, a última edição do BBB gerou à Rede Globo de Televisão receita superior a R$ 100 milhões.
Estes são falsos shows de realidade – uma vez que "no reality show faz-se do defeito, virtude. A graça toda consiste em não sabermos ao certo quanto de representação consiste e quanto de realidade há naquilo tudo. O reality show é um espetáculo e, ao mesmo tempo, é `de verdade´. Os participantes do BBB são pessoas comuns lutando por ascensão social e, nesse sentido, são `de verdade´. Mas há uma dimensão de representação, já que se trata de um jogo que eles representam pessoas comuns lutando por ascensão social" (MINERBO, Marion) – proliferam vertiginosamente pelos lares brasileiros em função, especialmente, da ausência de fiscalização de governantes, opinião pública e população que, mesmo diante deste "circo de horrores", curvam-se perante os conglomerados midiáticos como súditos curvam-se diante do rei, mesmo sendo públicas as concessões destas emissoras.
"O principal objetivo da televisão comercial é vender audiência, reduzindo o papel do telespectador ao de um mero consumidor" (CARVALHO, Cristiane Mafacioli).
Banalização completa
Sem propor debates sobre o conteúdo dos programas a serem exibidos por tal meio de comunicação, a população, especialmente a classe econômica com menor poder aquisitivo, cuja principal fonte de informação e lazer restringe-se à televisão, parece fadada a permanecer refém da gladiatura psicológica, exibicionismo e voyeurismo para atender aos interesses financeiros da grande mídia.
Frente a esta apatia, a televisão afasta-se do ideal de exibir programas que aliem entretenimento à informações de qualidade, uma vez que a televisão tem a capacidade de "criar, contar e compartilhar histórias e, conseqüentemente, programas que sejam úteis e que estimulem não somente uma democratização da sociedade, mas também uma mudança no foco desta completa banalização que assolou a comunicação social" (BORGES, Gabriela).
Fonte: Observatório da Imprensa
Dica da Taci
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
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