Duas tecnologias-serviços recentes, produzidas no cruzamento da pesquisa acadêmica e do mercado, tornam mais visíveis as possibilidades de monitoramento e rastreamento da vida cotidiana no sentido de extrair padrões de comportamento e projetar futuros imediatos que possam intervir proativamente nas escolhas dos indivíduos.
Life Account é uma plataforma criada pelo coletivo de estudantes mexicanos Rhinnovation, que acaba de ganhar o prêmio Cisco I-Prize A plataforma segue a mina da captura de dados de usuários, mas a sua novidade consiste em cruzar dados on-line com aqueles capturados através dispositivos acoplados aos objetos do mundo "físico". Reúne, assim, a chamada "Internet das coisas" com a disponibilização de dados pessoais incrementada pelas mídias sociais, criando um banco de dados com perfis virtuais que expressem hábitos e padrões comportamentais de usuários. Essa "expressão" não fala apenas do que já está aí, ou ali, no usuário, mas também do que ainda supostamente não foi detectado seja pelo próprio usuário, seja pelo mercado, seja pelos especialistas em marketing. Desejos e necessidades "escondidos" não mais no inconsciente de cada um, mas na massiva trama de dados inter-individuais que, uma vez "minerados", projetam "tendências" ultra-personalizadas.
Conforme matéria do Read Write Web:
"Life Account will generate a database with improved and meaningful information about the market and customers," said team leader Darius Lau. "Information can be filtered, reducing the complexity and response time of activities, while maximizing communication among people, companies and smart devices in order to detect under-served and unarticulated needs, expectations and desires about the products, and market research for its key partners, while always protecting the privacy of its users."
Tenho argumentado, contudo, que não se trata exatamente da detecção de padrões "escondidos" ou não visualizáveis no fluxo desorganizado de dados, mas da performatividade ou proatividade desta detecção ou visualização. Numa palavra, elas funcionam, quando funcionam, não apenas porque atendem a um desejo ou necessidades prévios, mas porque os incitam ou excitam quando anunciados. Velho lema da publicidade e outras estratégias persuasivas, mas que agora ganha uma temporalidade e uma espacialidade muito peculiares, articuladas à possibilidade de se rastrear as ações cotidianas de um número imenso de indivíduos em tempo real ou muito próximo disso, e ao mesmo tempo "processá-las", ordená-las e categorizá-las de forma extremamente veloz, permitindo intervir sobre essas ações e seus futuros imediatos quando elas ainda estão "vivas" ou em curso.
O outro serviço é um aplicativo para mídias móveis (ainda em estado de protótipo) que pretende rastrear o histórico de compras do usuário e seus dados de localização e construir uma "memória" capaz de orientá-lo quando ele se aproxima de uma oportunidade de consumo. A idéia é monitorar o usuário de modo a antecipar suas expectativas de compra e fazer aconselhamentos que inibam compras impulsivas e gastos desnecessários. Um serviço que se deseja mais perto da psicologia do que do marketing, ainda que com a mesma retórica - fazer de você um consumidor mais feliz. Mas enquanto o marketing e a publicidade monitoram para incitar o consumo, o bem intencionado Merry Misser monitora os indivíduos para orientá-los a gastarem menos ou a pensarem duas vezes antes comprar. Diz seu slogan: "A financial watchdog that watches out for you."
Os dois serviços reúnem duas faces de uma mesma moeda. Na vida rastreável, as tecnologias de monitoramento se misturam às tecnologias do cuidado, e olham por você. Dois lemas cada vez mais complementares: monitoring is business; monitoring is caring.
Por Fernanda Bruno
Fonte: Blog Dispositivos de Visibilidade e Subjetividade Contemporânea
terça-feira, 31 de agosto de 2010
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